Sentir-se
motivado a abandonar tudo o que já se sabe sobre como usar um
computador (onde estão seus arquivos, como executar um programa, que
aplicativo faz o quê, quais as teclas de atalho) e começar a aprender
quase tudo de novo é algo raro. Mas pode se tornar menos difícil após
assistir ao documentário Revolution OS. Em formato jornalístico,
ele conta a fascinante história da filosofia do software livre e a
explosão do Linux, ainda durante a bolha de investimentos da internet da
década de 1990. Com depoimentos das maiores figuras do software livre e
do open source tais como Richard Stallman, Linus Torvalds, Eric
Raymond, Bruce Perens e outros, o filme convence a qualquer um a
aventurar-se pelos sistemas operacionais livres, cuja filosofia de
compartilhamento, liberdade e comunidade remonta a ideais que pareciam
esquecidos após duas décadas de yuppies e neoliberais individualistas.
Mas nem tudo é tão fraterno e comunal no mundo do software livre. Revolution OS
tem méritos também por mostrar as contradições da própria comunidade.
Um sistema de produção de software em que um dos itens motivadores é o
reconhecimento dos pares, é claro que só poderia ser entremeado de
vaidades. Criado originalmente por Richard Stallman, a cabeça por trás
do conceito de copyleft (a antítese do copyright), o termo software livre (do inglês free software) é renegado por aqueles que querem torná-lo mais palatável a gostos empresariais. Estes querem então substituí-lo por open source (fonte aberta, em português), para que os investidores percebam que podem ganhar dinheiro com ele já que o free de free software quer dizer liberdade e não grátis.
Stallman,
com seu visual hippie e seu bom humor, é um capítulo à parte.
Incansável, ele luta para manter a integridade de sua filosofia de
liberdade e para que o gigantesco trabalho dos desenvolvedores GNU seja
reconhecido. Insiste que o Linux é uma pequena parte (essencial, mas uma
parte) que se acoplou com perfeição ao sistema operacional GNU,
desenvolvido de modo colaborativo desde a década de 1980. Quer, com
justiça, que o sistema seja chamado de GNU/Linux, pois foi usando as
ferramentas já prontas e a filosofia de trabalho colaborativo que o
Linux pôde ser desenvolvido. Linus, o finlandês que gerenciou o trabalho
colaborativo em torno do Linux, reconhece: "Ele é o grande filósofo, eu
sou o engenheiro".
O
conceito de software livre surge em 1984, quando Stallman funda a Free
Software Foundation e postula as liberdades que são os pilares do
movimento pelo conhecimento compartilhado: liberdade para qualquer uso,
cópia, alteração e distribuição. Ele afirma que o software, desde os
primeiros computadores, sempre foi livre. Os programadores na década de
1960 e 1970 desenvolviam tudo em um sistema colaborativo, trocando
idéias e linhas de código assim como cozinheiros trocam suas melhores
receitas. Foi na década de 1980 que se consolidou a opção de algumas
empresas tornarem o conjunto de comandos padronizados enviados às
máquinas, o software, também um produto, a ser vendido separado do
hardware.
Mas a
semente, a idéia da propriedade do software foi lançada por aquele que
seria o homem que mais enriqueceu com a passagem dos códigos de
computador de bem coletivo, compartilhado, a produto de direito de
determinadas corporações: Bill Gates. O filme mostra uma carta dirigida
há um clube de desenvolvedores, escrita por ele em 1976, logo após
fundar a Microsoft, em que ele chama o compartilhamento de software de
roubo e afirma que nenhum software de qualidade seria desenvolvido se
os programadores não fossem bem pagos. Ao som de uma música que lembra
os filmes de suspense a narradora lê o conteúdo da carta com uma
agressividade crescente, dando um clima assustador a frases como: "Como a
maioria de vocês já deve saber, grande parte de vocês rouba software. O
hardware é algo a se comprar, mas o software é algo a se compartilhar.
Quem se importa se aqueles que trabalharam nele são pagos? Isso é justo?
O que vocês estão fazendo é impedir que bons softwares sejam escritos.
Quem pode suportar um trabalho profissional que não é pago?"
Na
ocasião, em tom acusador e agressivo, Gates reclamava que o trabalho
dele e de seus outros dois sócios não estava sendo remunerado
adequadamente devido às cópias não autorizadas. Menos de 10% dos
usuários do Altair BASIC, que fora desenvolvido por eles, haviam
comprado o software e, se calculado o tempo gasto na produção do
produto, a remuneração seria de menos de US$ 2 a hora.
Quase
trinta anos depois, o vitorioso modelo proprietário de Gates enfrenta
novamente o modelo cooperativo, concretizado na filosofia do software
livre. Se os dois modelos irão coexistir ou se algum deles prevalecerá é
algo que o futuro irá dizer. Enquanto isso, é impossível não se
encantar com a letra de autoria de Richard Stallman cantada pela banda
GNU/Stallmans no final do filme: "Junte-se a nós e compartilhe o
software; vocês serão livres, hackers, vocês serão livres. Acumuladores podem ganhar pilhas de dinheiro; isso é verdade, hackes, isso é verdade. Mas eles não podem ajudar seus vizinhos; isso não é bom, hackers, isso não é bom".
Fonte: ComCiencia
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